Neste mês de março, em que celebramos a primavera, o mês da mulher e também a Páscoa, assinalou-se também o 4º aniversário de uma cirurgia que mudou quer o meu corpo, quer a minha vida.
“Nunca nenhuma mulher deveria ter que passar por isto” foi a frase que mais disse após a minha histerectomia em 2020, após dois anos de intenso sofrimento com endometriose, após exaustivas corridas de médico em médico, especialista em especialista, tratamento em tratamento.
Frustração, cansaço e dores excruciantes faziam parte do meu dia a dia e, ainda que a nível espiritual, mental e emocional estivesse a vivenciar períodos de grande expansão e crescimento, fisicamente a minha qualidade de vida diminuía drasticamente.
E lutei, lutei até me esgotar para encontrar soluções, procurei formas de sair do problema; mas, no redemoinho de ação e resistência, o processo culminou com uma histerectomia total, feita com máxima urgência para preservar a minha vida.
E o que isso me fez sentir? Dores excruciantes que os analgésicos não conseguiam amenizar, pois elas eram físicas e não só. Eram dores de corpo e de alma, dores de infinito vazio, de frustração.
Sempre que me perguntavam como me sentia, a minha resposta era esta mesma: "Jamais ninguém deveria ter de passar por isto, nunca uma mulher deveria ter de passar por isto". Nada me havia preparado para o efeito.
Por mais informações que recebesse a nível médico e até psicológico, nada me preparou para a sensação indescritível de vazio, de ser uma única ferida, toda eu era uma chaga, um ser não só despojado do seu útero e de todo o seu aparelho reprodutivo, como também das suas defesas.
Sentia como se, mesmo após ser suturada, me encontrasse ainda totalmente aberta para tudo de bom e de mau que entrasse em mim e me penetrasse.
Nada me preparou para sentir coisas que demorei algum tempo a compreender, entre as quais o sentimento de culpa por não ter conseguido fazer as coisas certas para evitar que aquilo acontecesse.
Quatro anos depois, sinto um apelo da minha alma a partilhar convosco, caros(as) leitores(as) não só o que senti, mas também o que aprendi com esta experiência cujo significado só agora realmente compreendi.
Sempre aprendi que qualquer experiência de sofrimento é uma oportunidade de aprendizado, mas precisei de atravessar também esta experiência para atingir o tremendo ensinamento ao feminino que a vida me quis transmitir.
E, se estou a ser convidada a fazer isto, ou seja, a escrever sobre estes aprendizados num blog, superando uma resistência imensa de partilha de algo tão pessoal e íntimo que, assim me diz a minha mente, valeu pra mim e ninguém mais se beneficia com isto...
Aprendi o suficiente para perceber que, se há o apelo, é porque alguém estará a precisar de ouvir estas palavras que descrevem esta experiência profundamente transformadora, portanto vou ceder à voz da minha alma, na esperança de que a seguinte mensagem possa cair como semente na terra fértil de outras almas e fazer germinar flores de transformação. E eis os grandes ensinamentos que extraí de todo este processo e que hoje posso ajudar outras pessoas que passam por situações semelhantes a assumi-los para a sua experiência no acompanhamento personalizado e em grupo.
1. Atravessa os teus lutos com amor
Compreendi que o útero faz parte do sistema do segundo chakra, o canal energético responsável pela troca de afetos, pela nossa conexão com a vida e com as emoções, da materialização.
Nós, mulheres, alojamos as pessoas que amamos, não apenas no coração, mas também no nosso local onde acolhemos a vida que geramos, onde a mãe acolhe e gera o novo ser humano, e não são apenas crianças que se alojam no útero, mas também todos os nossos processos e projetos pelos quais temos amor.
Dei-me conta de quantas mortes houvera na minha vida, quantas despedidas, quantos sonhos sepultados, quantos desejos frustrados, quantos afetos rejeitados ou escorraçados que eu tinha aceite, processado mentalmente, mas nunca havia feito o seu sepultamento energético.
Não me havia permitido o tempo, o espaço de fazer luto, queria e precisava de funcionar e, impulsionada pelo ambiente e pela sociedade, achava que iniciar imediatamente processos novos seria a única forma de superação (a ferida da mordida de um cão cura-se com a lambidela de outro) ...
E todos os sonhos que morreram, os ciclos encerrados que me magoaram, as memórias de dor não perdoadas na profundidade seguiram comigo como energia morta que carreguei no meu útero e em outros locais do meu corpo, assim como em outras dimensões.
Atravessar com amor os nossos lutos e as nossas pequenas mortes é um processo de limpeza vital que nos permite o vazio fértil e, com isso, entramos no próximo ensinamento.
2. Abraça o vazio
Conforme já descrito acima, senti-me durante muito tempo após a cirurgia a mergulhar num vazio total... Havia o vazio físico que os meus intestinos foram preenchendo ao se realojarem (processo tremendamente doloroso, mas relativamente breve face ao restante preenchimento).
Sentia-me cheia... de tanta coisa... Dor, cansaço, raiva, frustração, culpa, medo, ETC. E ao mesmo tempo cheia de nada, de coisa nenhuma, de um vazio assustador. E foi precisamente no estar cheia de nada que veio o aprendizado.
O cálice de acolhimento da abundância não pode ser preenchido se já estiver cheio... Enquanto estiver cheia e a transbordar das minhas mortes, das frustrações e dos medos, dos receios, ressentimentos perante mim mesma ou outros ou cheia de pilhas de dúvidas, nada poderá entrar, nem mesmo a abundância, nem mesmo o amor divino, nem mesmo o entendimento e todas as demais ferramentas necessárias.
Estar cheia de nada pode significar estar cheia de tudo, se abraçarmos o vazio, pois abrimos a porta para que entre a transformação, a renovação da vida. Não, um ventre vazio não é estéril nem morto, é tão fértil quanto antes, embora a vida que entre e se processe nele o faça de outra forma em relação ao que o faria antes.
3. Renova o compromisso contigo
Após soltar e permitir a sanação das feridas que nos levam a abraçar o vazio, vai acontecer renovação, mudança. És ainda tu mesma, com a tua essência, mas ganhas nova identidade, novo corpo, novos hábitos, novas necessidades, prioridades, limites e possibilidades.
Após desenvolveres métodos para renasceres em amor, é preciso conheceres-te de novo e estabeleceres contigo um renovado compromisso de lealdade, amor, respeito por ti mesma.
Talvez seja até a primeira vez que o fazemos; pois, se é verdade que aprendemos muito sobre esses valores face a outros seres, não é tão frequente aprendermos a viver esses valores face a nós mesmos e, no feminino, é ainda mais notória a tendência e a facilidade com que nos “sacrificamos” para prestar o melhor face a outros e nos descuidamos.
A renovação do teu compromisso de amor e lealdade contigo na tua nova identidade permite-te criar e estabelecer abundância que vem desde ti e a partir de ti, tu em conexão com as fontes da vida. Tu num caminho aberto de via de mão dupla com o sagrado que rege a tua existência e que pauta os teus valores.
Não, não passei a ser apologista de histerectomias, não passei a acreditar que é um processo pelo qual devíamos passar ou que é uma brincadeira de crianças, de todo.
A verdade é que o que eu passei, sim, a acreditar é que, se é verdade que ninguém nos prepara para determinadas consequências, também é verdade que poucos te preparam para ações que as evitem.
E não está nos manuais regulares de instruções escolares, seja de que área for, aprender a empoderar-se, a amar e honrar lutos, a sanar feridas de alma, a abraçar o vazio, a ver o nosso corpo como alojamento da nossa alma e de outras dimensões do nosso ser humano e não como simples máquina material que garante a nossa sobrevivência.
E não é muito frequente aprendermos a lidar com perdas e rejeição, a respeitar a nossa união e ciclicidade com a natureza, a harmonizar o nosso espiritual com o nosso corpo, o feminino em nós com o masculino em nós.
Não nascemos com um manual de instruções associado, nem o mundo se preocupa muito com coisas que não são materiais; mas, ainda assim, nós nascemos todos dotados com capacidade de consciência, com dons peculiares, com livre arbítrio e com acessos a códigos de abundância que não moram no exterior, mas dentro de nós.
Cada pessoa é um mapa do tesouro e também o próprio tesouro e, caso assumamos escolhas evolutivas, podemos ter acesso a todo esse aprendizado, porque a vida é pura sabedoria transcendente.
O meu vazio foi preenchido com muitas coisas, mas destaco entre elas uma energia inesgotável de amor e também o desejo de que cada pessoa que priva com a minha energia das mais distintas formas possa escolher amar-se.