Dirijo este texto à vida, aos leitores prezados do Blog Visão da Alma e a todos que desejam escrever algo semelhante. Dirijo este texto à minha própria História de vida, a mim mesma e a todas aquelas pessoas com as quais me relacionei ao longo da minha vida, especialmente às pessoas com as quais atravessei relações de abuso.
Trata-se de uma carta de reconhecimento, gratidão, de um ato de libertação e perdão a eles e a mim mesma.
E trata-se também de um manifesto de empoderamento, pois aprendi a assumir apenas a parte de responsabilidade que eu tenho e a deixar ir as responsabilidades alheias.
Houve três grandes relações de abuso na minha vida, sendo que uma sucedeu na infância, outra se manifestou como a minha primeira relação amorosa e a terceira era uma relação de suposta amizade que se desenrolou entre 2014 e 2015.
A partir de agora, vou dirigir o texto a estas três pessoas.
Levei algum tempo até descobrir o denominador comum entre vocês três, caríssimas pessoas. Hoje sei que os nossos encontros se deram em momentos em que eu:
- me encontrava vulnerável e em estado de carência emocional;
- carecia de auxílio material e logístico;
- sofria doenças agudas provocadas pelas minhas feridas emocionais e de alma, e buscava desesperadamente soluções eficazes;
- estava certa de que só uma circunstância ou pessoa externa a mim mesma me poderia libertar dos problemas referidos acima.
Sei hoje também que havia sinais de alerta que não consegui ver; não porque não queria, mas porque a minha visão interior estava nebulosa e ofuscada pelas carências (vejam publicação anterior sobre missão e visão).
A minha alma buscava vias de cumprir a sua missão e, nos momentos em que nos encontramos, ela achou que tinha as soluções, ou seja, que encontrara pessoas nas quais ela não só podia confiar, mas também ela podia amar, cuidar, curar, nutrir e fazer todo tipo de partilhas.
Hoje sei também que não há culpa nisto: não foi por uma questão de culpas que eu não discerni o que era para ter sido detectado, mas porque, se estas situações não tivessem ocorrido desta forma, haveria aprendizagens sobre mim mesma que eu não teria feito até hoje e, portanto, mais situações semelhantes surgiriam e mais pessoas como vocês seriam atraídas ao meu campo energético.
Sei hoje que não sou responsável pelos abusos que cometeram, mas responsável pelo aprendizado que retirei para que vocês pudessem sair da minha vida e para que a minha correspondência energética fosse de um nível diferente.
Quando nos encontramos, estávamos todos num nível muito inferior da nossa evolução. Vocês traziam a vossa História, os vossos traumas, as vossas perdas e lutos não chorados, as vossas frustrações e as vossas esperanças, as vossas projeções e os vossos medos, as vossas capacidades e carências.
Estávamos todos no triângulo de vítima, agressor e salvador; ou seja, sentíamos que havíamos sido prejudicados por alguém ou algo, que éramos seres incapazes de mudar essa situação e que apenas circunstâncias externas nos poderiam salvar. Eu achava que havia encontrado isso em vós e o mesmo pensastes vós de mim.
Quando os comportamentos abusivos se desenvolveram, criamos laços de dependência entre nós. Dependência emocional de ambas as partes, pois eu nutria afeto genuíno por vós e vós, ainda que de forma talvez não saudável, também o teríeis por mim. Dependência física da minha parte, dependência energética de ambas as partes.
Como tudo que é abusivo, até que a tomada de consciência disso acontecesse, vivemos num beco sem saída, pois ficamos incapazes de pôr termo à relação e com a convicção de que nada poderia ser diferente.
Quando a tomada de consciência sucedeu, veio a dor, a raiva, o medo, os vínculos de dependência mútua tomaram formas imensas e, depois, havia sempre aquela esperança de que tudo mudasse, de que os comportamentos abusivos sessassem, de que viesse um fator salvador.
A desvinculação e o final das relações entre nós foram inevitáveis e foi preciso atravessar noites escuras e mares de dor muito profundos, que levaram a novas tomadas de consciência e fizeram com que atravessássemos vários estágios até a superação.
Hoje, sei que tudo foi como tinha de ser. Isto não significa que vos retiro a vossa responsabilidade pelos vossos atos e comportamentos abusivos. De modo algum. Essa responsabilidade é vossa, e desconheço como lidaram e lidam com ela até hoje. Mas retiro-vos a minha parte de responsabilidade e essa consiste em deixar de ser vítima.
Não sou vossa vítima nem vossa presa fácil, não sou e nunca fui merecedora do que aconteceu ou culpada por isso e sei hoje que ninguém de vós veio à minha vida para me salvar de coisa nenhuma, não era essa a vossa função no meu caminho.
Vossa função nem tampouco era a de serem receptores dos meus afetos e não poderiam, nem deveriam, ter sido salvos ou curados por mim, pois eu não sou nem era objeto de compensação ou projeção para as vossas dores e necessidades. Reconheço hoje que havia um plano maior que nos fez cruzar caminhos, um acordo de aprendizados.
Com vocês aprendi a reconhecer o que trazia nas minhas sombras e que me levou ao nível energético que me fez atrair seres como vós ao meu caminho.
Portanto, todos os meus padrões de assumir responsabilidades alheias, carência afetiva, bloqueios de rejeição e abandono, culpa, medo, dúvida, apego e baixa autoestima me conduziram até vós.
Com o que nos aconteceu, aprendi que os únicos seres capazes de nos salvar somos nós mesmos e que até a intervenção divina tem de ser permitida por nós para que ela consiga auxiliar-nos com toda a sua amplidão.
Aprendi que não preciso de ser vítima, nem agressora, nem salvadora de ninguém.
Aprendi que a única coisa que serei sempre é uma alma que doa e recebe, serve e é servida, respira, inspira, se contrai e se expande na sua relação consigo mesma, com os outros e com o divino, e cujo objetivo é conviver em laços saudáveis, que não sejam de dependência, mas, sim, de interdependência com outras almas inteiras e responsáveis.
Hoje sei também que todos nós fizemos aprendizado pelo mesmo caminho de sombras, ou seja, todos fomos treinados e influenciados para nos tornar agressores, salvadores e vítimas, e chegamos até a acreditar que só sendo vítimas poderíamos ser escutados e salvos ou que só como agressores poderíamos transmutar a nossa posição de vítima.
Todos sabemos que onde há luz também há escuridão e que a escuridão nos influenciou neste sentido. Sei que sofrestes como eu sofri em outros períodos das vossas vidas, que estais talvez até mesmo a repetir no vosso comportamento padrões que vos aplicaram.
Vós sois responsáveis pela vossa evolução, pois a decisão de permanecer nessa roda, nesse comportamento, nessa crueldade, é vossa.
A minha responsabilidade consiste em deixar-vos ir - distanciar-me de vós não apenas cortando os nossos vínculos, mas também optando por fazer o caminho de cura e de me permitir sair da posição de vítima -, identificar os meus aprendizados e dar-me aquilo de que preciso para não depender de vós.
Assumi a responsabilidade de trabalhar, escavar, curar, desbloquear, sanar, limpar, transmutar o que havia na minha luz e nas minhas sombras, no meu consciente e no meu inconsciente, e com isso resgatar tudo de mim que perdi através dos sofrimentos pelos abusos.
Assumi a responsabilidade de mudar a minha realidade interna para não criar realidades externas que não sejam dignas de mim na minha nova identidade.
Levei tempo, levei anos de investimento em mim, precisei de trilhar vários caminhos, precisei de grandes mergulhos na minha própria alma para que me fosse possível escrever-vos estas palavras.
E, sim, a jornada continua, pois atrás de cada camada de desbloqueio existem outras camadas mais profundas que o pedem, e cada desbloqueio abre também novos portais de sanação e potencial luminoso. é o mergulho nas sombras que nos permite a ascensão maior rumo à luz.
Reconheço a vossa importância para que esses processos se tenham desencadeado. Perdoo-vos e liberto-vos, permito-me empatizar convosco e aceitar o aprendizado que fiz na vossa companhia, cortando assim os nossos laços e despedindo-me de vós em gratidão e com amor pelo processo.
Desejo-vos luz, desejo-vos cura, desejo-vos que possam experienciar evolução. E, sim, há até momentos em que não vos desejo absolutamente nada, mas nunca vos desejo mal algum.
Finalizo este testemunho agradecendo à vida porque me mostrou através de vós como posso ensinar outras pessoas a curar-se de relacionamentos abusivos. Para salvá-las?
Não, pois isso não me compete, mas para mostrar-lhes como podem encontrar potenciais transformadores de cura dentro de si mesmas aplicando os paços que fiz em mim e os paços da cura quântica da sua energia, para que possam resgatar o seu potencial máximo e fazer isso face a cada desafio da sua vida.
Pela nossa evolução em luz,
Cris Carvalho.