sábado, 1 de abril de 2023

As mortes e a visão da alma

imagem de Jesus Misericordioso
Divulgação / Santhatela
Estamos em época de Páscoa. Para a grande maioria de nós, é uma época festiva, independentemente da espiritualidade ou da religião que professamos e vivemos.

Se para alguns está ligada a Paixão, morte e ressurreição de Cristo (Cristianismo), para outros está associada à celebração da primavera, da fertilidade, da renovação, do florescimento (antigas culturas celtas, festival de Ostara, ETC).

Muito haveria para dizer sobre o sincretismo (como as visões da Páscoa se misturam e acabam por abraçarem-se e, por vezes, quase diluírem-se), uma análise sem dúvida muitíssimo interessante que gosto de fazer nos meus estudos de religiões e espiritualidade; mas, neste blog e neste artigo, não vamos hoje aprofundar este aspecto.

Vamos, sim, falar da visão da alma, e de mortes.

As mortes que atravessamos na vida

Mau, Cris... Vais mesmo falar de morte? Vou, mas não apenas da morte física, da morte clínica e cerebral... do luto de perder pessoas queridas. Teria imenso que escrever sobre isso, sim, mas aqui vou falar das mortes que atravessamos durante uma só vida.

A nossa identidade humana é flexível e ela muda sempre ao longo da nossa vida. Como sucessão de ciclos que é, cada início de um ciclo é um nascimento, e cada final de ciclo é uma morte.

Estações do ano representando ciclos
Pixabay

Vejamos: durante o período de gestação, atravessamos duas fases, nas quais somos primeiro um feto e, em seguida, um embrião. Nesse tempo, estamos em simbiose com a mãe, o que significa que não precisamos de pedir comida nem bebida nem cuidar de absolutamente nada, pois o corpo da mãe, e não só, proveem as nossas necessidades.

Ao nascer, morremos para o nosso estado simbiótico, para aquela fase de abundância natural e automática, e nascemos para um mundo completamente desconhecido, de sons, cheiros, imagens e muitas mais impressões a que não estávamos de todo habituados. Passamos a ter que pedir alimento, que nos mudem a fralda... Atravessamos a nossa primeira morte metafórica.

Assim sucede constantemente com os ciclos que se fecham e aos quais estão associados hábitos, pessoas, comportamentos, atividades, e a vida é uma constante transmutação. Mudamos o nosso corpo, o nosso comportamento, os interesses, as prioridades e os recursos.

A criança morre em parte quando entramos na adolescência... e há uma parte de nós que morre e renasce com cada ciclo que terminamos e com cada ciclo que iniciamos.

No período pascal, convido-nos a todos a refletir e fazer caminho sobre como os ciclos da nossa vida nos estão a levar rumo à nossa identidade melhor.

O caminho espiritual da Páscoa

Em seguida, vou falar-te um pouco sobre o que para mim é o caminho espiritual que traço e recomendo a meus clientes e amigos que tracem nesta época do ano, independentemente de quais são as suas crenças religiosas e tradições, que aconselho que eles as vivam de forma que contribua para a sua própria felicidade e a dos seus.

Reconciliação contigo e com a vida

Esta categoria divide-se em duas atividades. A primeira consiste em manifestar gratidão por tudo o que já conseguiste atingir no teu caminho até aqui, os aprendizados que adquiriste, as experiências que viveste e as pessoas que encontraste. Faz uma lista de tudo que viveste e manifesta a tua gratidão profunda.

Ao passo que fazes a lista da gratidão, vão surgindo as recordações que não agradam tanto... As pessoas que te magoaram, os momentos em que não conseguiste alcançar um objetivo, alguma "morte" que tenhas atravessado... morte de um sonho, de uma relação, de um emprego ou de uma atividade.

Para essa etapa, existe precisamente a reconciliação. Escreve uma carta à vida onde exprimes tudo o que te magoa, seja por ultrajes de outrem, seja por situações que tu mesmo não conseguiste realizar como o previsto.

Recorda o artigo sobre perdão que pudemos ler há algumas semanas e, nesta primeira parte da carta, exprime abertamente todos os sentimentos em relação aos aspectos que causam dor ou raiva.

Em seguida, após permitires por alguns instantes que as emoções contrativas surjam, irás fazer os passos seguintes do perdão (Aprendizado, empatia e perdão), e concluirás a carta à vida expressando profundo apreço e amor por ti mesmo(a), enfatizando que, apesar de tudo que tens de perdoar-te, te amas, te aceitas e te respeitas tal como és.

Celebra tua nova vida e abençoa os recursos criadores de vida em ti. Celebra o teu novo eu!

Renascimento

fênix
Pixabay

E então estarás preparado(a) para a metamorfose que deixarás acontecer, e permitir-te-ás nascer na tua nova identidade, assumi-la, abraçá-la e revelá-la a ti mesmo e ao mundo. Estarás pronto(a) para viver nesta vida aquilo que agora sabes que foste destinado para viver, estarás de coração e mente abertos para a vida.

Terás a riqueza de todos os aprendizados feitos no passado aliados à sede de manifestar mais amor, mais abundância, mais entrega, mais alegria, mais empatia, mais compaixão, mais troca de aprendizado, mais partilha e mais profundidade, mais fluidez e mais espiritualidade, mais emoções e experiências positivas, mais engajamento, mais relações positivas, mais significado e mais realização!

Caso sejas católico(a) e/ou tenhas crença em Deus, sigas os passos da reconciliação proposta pela antiga prática, mas não sem antes teres concluído o processo contigo mesmo(a). E atenção: por vezes, para que isso possa suceder, são precisas várias cartas!

oceano
Pixabay

Por último, entrega as cartas às cinzas ou a um curso de água (rio, mar). Com isso, estarás entregando a mágoa e o aprendizado, assim como também o perdão e o amor, à natureza, para que ela o possa transformar em nova vida!

Escolhe o teu novo caminho

caminhos
Pixabay

Após teres celebrado com gratidão e de te teres reconciliado com a vida, estará na hora de debruçares-te sobre o novo ciclo que queres começar, a nova identidade que queres assumir, a nova vida que queres viver.

Aconselho sempre fazer essas reflexões por escrito porque, desse modo, estarás a organizar as ideias e a fazer registro de algo que, posteriormente, poderás reler e acompanhar melhor a tua evolução. Por isso, faz a tua lista daquilo que significa para ti a nova identidade.

Primeiro, bem livremente, de uma forma geral, tudo que vier à alma e à mente. Depois de ter escrito tudo, define quais são as prioridades número um que são deveras de grande importância para essa nova fase e identidade.

Após finalizar esse registro, traça o roteiro, ou seja, escreve o que é preciso fazer para chegar lá, as ações concretas necessárias para pôr em prática o caminho. Por isso lhe chamei escolher caminho. Portanto, escolhe caminho e traça o roteiro (lado masculino da alma, plano de ação).

Ao fazeres isso, irás aperceber-te que algumas coisas irão mudar irreversivelmente daqui em diante; portanto, aceita isso e deixa que as emoções venham à tona face a essa constatação.

Conecta-te com o teu sagrado

Yin e Yang
Pixabay

Sim, quer sejamos religiosos ou não, todos temos um templo interior, ou seja, os recursos internos da nossa alma (o lado feminino, intuição, emoção, gestação e acolhimento). Resumindo: conecta-te com as forças que dão sentido à tua vida, com a voz da tua intuição, com a visão da alma.

No artigo da próxima semana, em que já estarei imersa neste processo que descrevo, falar-te-ei mais sobre o que, na minha definição, é a visão da alma.

Posso já adiantar que é com ela que convido a conectares-te após a escolha do caminho, pois é nesse espaço que estão os teus recursos únicos, os códigos singulares da tua alma, o teu eu superior, a tua centelha divina, a tua real essência, ou seja, aquilo que és originalmente, sem os filtros da repressão nem os danos das experiências dolorosas.

Conecta-te com o teu interior e ouve a sua voz, busca aí os recursos que não são dependentes do mundo exterior e que, nas horas mais desafiadoras do caminho que tens pela frente, te vão dar a necessária sabedoria, força, resiliência  e perseverança para levares a nova vida adiante sem que nada ponha em causa a tua caminhada para a qual vieste ao mundo.

Atravessa a morte

deserto
Pixabay
Feito isto, o passo seguinte será justamente atravessar o portal de morte, ou seja, despedir-se, deixar para trás, tudo o que irás constatar que não faz parte da nova identidade que queres assumir. Claro, é um processo doloroso, pois pode significar despedir-se de pessoas, de sonhos que amávamos, de hábitos muito enraizados.

Pode significar o reconhecimento súbito de que algo que para nós parecia fazer todo o sentido, na verdade não passou de algo ilusório. Irás então atravessar a dor da perda, do luto, a noite escura onde te podes sentir vazio(a) e perdido(a).

Aceita essa vivência e chora os lutos que é necessário chorar, sepulta de forma metafórica e simbólica, na compaixão e no amor, tudo que precisa ser sepultado, e abraça a experiência do vazio e da solitude; pois, nesse momento, a voz da tua alma falará mais alto do que nunca e permitir-te-á descobrir forças que eram até aqui totalmente desconhecidas.

Celebra a nova luz

laboratório químico
Pixabay

Após o luto e a solitude, permite-te meditar e antever o sucesso que a tua nova vida te poderá trazer.

Segundo os antigos alquimistas, o chumbo e outros metais que eles transformariam em ouro passava por quatro fases: nigredo (arder do metal até se queimar por completo), albedo (essência totalmente branca, despojada de todas as características do antigo metal), citredo (Processo em que o metal assume novas características e se transmuta em amarelo) e rubedo (o metal assume as novas características que finalizam o processo da sua transformação em ouro).

A alquimia aplicada ao ser humano acontece de forma idêntica e tudo isto está neste processo que descrevo. Após o luto que fazemos do material (ardido) de que nos despedimos, a próxima etapa consistirá em preencher gradualmente o vazio com a nova identidade e com o novo fogo que queremos acender em nós, e celebrar desde já aquilo que, assim sabemos, permitirá a criação da nova vida!

lâmpada cercada de borboletas
Pixabay

Portanto, medita e visualiza o resultado final que acontecerá após conquistares a tua nova identidade, e nas etapas anteriores tu já decidiste quais os passos que terás de implementar. Então este será o momento de celebrares já aquilo que, inevitavelmente, sairá do processo de se juntar masculino da alma com feminino da alma, que é a criação de nova vida, nova identidade.

Sabes que irá haver novos desafios, mas sabes também onde estão os recursos interiores secretos do teu mapa do tesouro que mora no que designamos como templo sagrado, e sabes que os terás.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Se eu não te amasse

Se não te amasse tanto, tão perdidamente, tão infinitamente, Se não soubesse quanto te amar me expande, Não saberia como amar-me, Não ...